quarta-feira, 25 de julho de 2012

Curando o genophage: videogames e liberdade de escolha




Alerta! Esse post pode conter spoilers de Mass Effect.

As pessoas precisam de histórias. É através de histórias que nós compreendemos o mundo, que traduzimos as nossas experiências, que concedemos sentido.  Histórias servem para inserir a vivência cultural específica em uma compreensão universal. Através das histórias nós nos lembramos do que é importante e, mais relevante ainda, decidimos o que é importante. É por isso que eu levo videogames a sério.

Não são todos os jogos, é verdade, mas, assim como a tragédia e a comédia usam uma mesma plataforma para fins diferentes, jogos também. Cometer desde atos de vandalismo até homicídio, em GTA, não me incomoda minimamente. Tampouco me perturba saber que eu provavelmente aniquilei mundos inteiros apenas para satisfazer o meu pai, em Katamari. Mas, senti um peso muito real na consciência quando matei uma ghoul inocente no universo de Fallout. Se nós jogamos principalmente os jogos que nos permitem sentir como uma versão idealizada de nós mesmos, essas ações nos ajudam a descobrir qual é nosso posicionamento moral - e não falo apenas de jogos com mecânicas de moralidade, um sistema limitado, mas do que projetamos, das nossas interpretações de cada circunstância.

Quem me conhece sabe como algumas palavras possuem apelo imediato; aventuras espaciais e aliens azuis são duas delas (para não dizer sexo interespécies selvagem com alienígenas azuis enquanto explosões de antimatéria brilham a distância). Assim sendo, era apenas uma questão de tempo para que eu chegasse até Mass Effect, uma franquia de RPGs de ação em que você é Comandante Shepard, protagonista de um épico espacial em que o destino do universo depende de você. Foi amor à primeira cut-scene.

Há algumas semanas eu comecei a jogar o ME3, o jogo de encerramento da trilogia. Confesso que estive enrolando: depois de tanto investimento emocional e físico (experimente jogar durante seis horas seguidas… seus dedos ficam doloridos), hesito em completar essa história. O peso de cada decisão me parece maior e, em um universo em que nada é preto e branco e cada escolha tem um preço, estou desesperada para fazer as coisas da melhor maneira possível. Infelizmente, porém, e esse é um dos motivos pelos quais eu amo a série, é necessário escolher entre o que prefiro e o que acho correto.

Nós não fazemos decisões no vácuo, nem mesmo quando estamos em uma nave espacial. Quando eu decidi, por exemplo, salvar os rachni sabendo que isso colocaria pessoas com as quais eu me importo em risco, eu o fiz mesmo assim. A vantagem tática seria maior, e eu decidi priorizar a sobrevivência de muitas pessoas, não apenas daquelas que estavam envolvidas na missão. Ou, quando destruí a estação de hereges Geth ao invés de reprogramá-los; eu não o fiz porque eu achava certo assassiná-los, ou porque me sentiria confortável com isso. Eu não confiaria em minhas decisões se esse tipo de escolha me desse prazer. Mas, na guerra é necessário fazer decisões que, em outras circunstâncias, não seriam apropriadas, independente de como nos sentimos. 

No meu entendimento, é uma questão de limites. Quão longe posso ir para garantir a minha sobrevivência e das pessoas sob meu comando?  Eu posso assumir a responsabilidade de matá-los, sim. Mas eu posso negar a responsabilidade que eles assumiram? Eu posso decidir por eles? Os Geth sabiam que estavam arriscando a própria integridade física quando tomaram o posicionamento e, mesmo assim, preferiram correr o risco. Eu posso não concordar com a escolha, mas isso não me dá o direito de tirar a capacidade dessas pessoas de fazerem escolhas. Porque tirar a liberdade de escolha de uma pessoa, mesmo a liberdade para fazer a escolha errada, é deixar de reconhecer a autonomia dela. 

Eu poderia alegar que a decisão é validada pelo fato de que Geths não funcionam como seres humanos. Mas, não posso negar que sejam pessoas capazes de tomarem posições divergentes, de lealdade, de se apaixonarem… Bem, nos meus sonhos, pelo menos - Legion, me liga, seu lindo!  Enfim, o fato de não entendermos como outra espécie funciona, nos torna superiores? A tecnologia nos apresenta novos dilemas morais. O papel da ficção-científica, como enxergo, é antecipar e explorar, de uma maneira mais segura, as consequências possíveis. Como já dizia Santayana, aqueles que ignoram a história estão fadados a repeti-la.



As relações entre aliens e humanos, em ME, representam questões políticas reais, do passado (como entre escravos e colonizadores) e do presente (a indústria alimentícia e os animais, por exemplo). É por isso que eu escolhi curar os efeitos do genophage, arma biológica responsável por desestabilizar os Krogan, espécie egoísta, violenta, de reprodução agressiva. Eles são uma ameaça à minha espécie? Definitivamente. Eu posso, através da minha omissão, decidir pelos direitos reprodutivos de outras pessoas, mas, quais são os limites desse intervencionismo? Quão diferente alguém precisa ser para que eu possa decidir por ela? Outra espécie, outro gênero, outro tom de pele, outra sexualidade? Tirar o poder de decisão de um indivíduo é abrir um precedente para o abuso com impunidade. 

Assim, embora eu tenha chorado de soluçar em cima do meu controle de PS3, eu deixei o Mordin morrer, se sacrificar para administrar a cura. Porque foi a decisão dele. Porque existem coisas que são mais importantes do que apenas continuar existindo. Porque se eu não fizer isso nem mesmo em um videogame, como posso esperar defender o que acho correto na vida real, onde as consequências são mais duras e não é possível recomeçar do save mais conveniente? 

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