segunda-feira, 23 de julho de 2012

Gritos e sussurros

Umas das primeiras coisas que eu aprendi foi a pedir desculpas: por falar alto demais ou não falar alto o bastante, por me expor excessivamente ou por não me impor suficientemente, por não ser tão inteligente ou por tentar ser esperta, por ocupar um espaço. É algo que meninas, especialmente aquelas que não se encaixam nos quesitos ideais (com toda a conotação de impossibilidade implícita na palavra) de feminilidade, aprendem cedo.

O cristianismo, propagado por uma seita de extremistas (por favor, ser maioria não anula ser radical) composta predominantemente por homens, centrada na adoração de uma figura masculina representada por um avatar masculino, nos ensina que a mulher é, basicamente, a origem de todo o mal. Eu, que cresci em uma família católica moderna (do tipo que reza em crises e feriados), só fui perceber quão absurda é essa lógica, e o quanto ela e outras similares permeiam nossa sociedade, muito depois.

As desculpas podem estar disfaçadas, mas são surpreendentemente presentes no discurso de pessoas que se crêem emancipadas. "Não sou feminista, sou a favor de igualdade para todos, só não acho que..." é um exemplo comum. Além de um problema óbvio - feminismo também é a favor de igualdade, mas denuncia a suposta igualdade vigente pela falácia que é e reconhece que minorias precisam de grupos que lutem pelos seus interesses específicos - esse discurso é prejudicial porque implica que há um problema com o feminismo, é uma tentativa de se dissociar do termo que corrobora a conotação negativa. 

Além disso, a admissão de culpa invalida o discurso e transfere a responsabilidade. Quando você pede desculpas, você está dizendo 'olha, eu acredito nisso, mas você está mais certo, pode desconsiderar'. A culpa é uma arma que a maioria usa para silenciar o discurso alheio e que contribui para a invisibilidade.

Passei muito tempo presa nessa armadilha, tentando justificar minhas escolhas, tentando me apresentar sempre da maneira mais adequada, mais socialmente 'aceitável', o possível. E, toda vez que penso estar escapando, percebo um novo empecilho. Mas, em algum momento temos que decidir se queremos ser agradáveis ou corretos. Temos que levantar nossas bandeiras ou nos abster da luta. Temos que assumir a responsabilidade moral e decidir se vamos, conscientes, ignorar algo que sabemos errado porque é mais confortável, ou se vamos nos politizar. 

Porque, em uma sociedade em que uma mulher está tomando uma decisão política toda vez que ocupa um espaço social ou físico, usar meias palavras é contribuir para o silenciamento de um grupo todo.

A noção de que uma mulher precisa ser agradável, educada, gentil, polida, reservada, oqueseja, serve para impedi-la de reivindicar direitos básicos, como aquele de ser ouvida e levada a sério. Toda vez que você é constrangida a não falar ou fazer algo porque pode causar algum desconforto, está priorizando uma visão de mundo desenvolvida por pessoas com uma experiência díspare da sua acima da própria integridade. 

Está na hora de parar de pedir desculpas, de sentir vergonha, de falar baixinho e de pedir licença e aceitar compromissos. Está na hora de parar de fingir que alguns debates se tratam do que nós preferimos ou do que nos ofende pessoalmente e sim de direitos universais. Está na hora de reconhecer nossas vozes. Está na hora de ocupar nossos espaços.

Eu me recuso a me desculpar por mim mesma, pelo meu corpo ou pelas minhas escolhas porque algumas centenas de anos atrás um bando de barbudos (ou alguém como eles) torceu o nariz para isso. Não é ser intransigente, é ser razoável.

Nenhum comentário:

Postar um comentário